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Sobre Gays, Lésbicas e Mórmons

Conversa com minha filha de 7 anos sobre orientação sexual e poliafetividade

Ade Monteiro
4 min readOct 5, 2019

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Um dia saímos em família pra comer algo e passeando pelas ruas de SP cruzamos com um casal de mulheres lésbicas, colegas de trabalho do meu parceiro. Elas estavam de mão dadas e em algum momento a colega apresentou a companheira:

- Essa é minha esposa — E sorriu.

Na mesma hora parece que acendeu a luzinha da dúvida na cabecinha da Leela e ela perguntou:

- Vocês são casadas?

- Sim! — A moça respondeu meio sem graça.

E não satisfeita a Leela me olhou e perguntou:

- Mas pode mamãe duas mulheres casadas?

Eu já estava quase roxa de vergonha e queria esconder minha cabeça debaixo da terra… Pois por mais que elas e eu quiséssemos agir naturalmente, infelizmente ainda nos sentimos constrangidas nessas situações. Eu no caso, por não haver tido essa conversa com minha filha antes (ela tinha uns 6 anos) e assim não estar confiante que minha filha ia dar uma resposta “lacradora”… E ela talvez por não saber o quê ou como responder (com receio de dizer algo que talvez os pais não queiram falar sobre).

Foram alguns milésimos de segundo em que eu pensava em algo educado e ela também devia pensar em algo convincente… e então respondemos quase juntas:

- Claro! — E ela complementou:

- Olha aqui nossa aliança!

E a Leela olhou pra aliança meio desconfiada… é claro que o assunto precisava de maiores esclarecimentos, mas naquela hora (thanks be to god!) acho que ela sentiu que não deveria questionar mais. No carro tentei conversar um pouco com ela, mas sabia que precisaria tirar um tempo para abordar essas questões com calma.

6 meses depois...

Semana passada a Leela doente, não foi pra escola e passou a tarde em casa.

Fiz um acordo dela brincar um pouco sem TV para eu trabalhar e depois eu brincaria um pouco com ela. Brincamos de dominó e jogo da pizza por um tempo. Durante o dominó pensei em puxar a tal conversa que já estava devendo faz tempo.

Disse à ela:

- Leela, você já ouviu falar de gays e lésbicas?

- Não! — Ela disse.

- Então, gays são homens que amam homens e lésbicas são mulheres que amam mulheres. Você vê eu e papai? Nós somos um casal heteroafetivo. Já 2 homens gays ou 2 mulheres lésbicas seriam casais homoafetivos. Então pode ter casais com um homem e uma mulher, ou casais com 2 homens ou casais com 2 mulheres…

- Ou dois homens com uma mulher ou duas mulheres e um homem... ela acrescentou confiante.

- É… pode acontecer… mas onde você viu isso? — respondi intrigada.

- Eu vi no seu livro!

- Qual livro?

- Aquele que tem uma foto de dois homens e uma mulher na capa…

Era o livro “Amor a Três” da Regina Navarro e do Flávio Braga, que ganhei de aniversário de uma amiga, e o livro realmente tem essa capa de um “trisal”.

Aí a situação complicou um pouquinho pra mim, porque eu estava iniciando uma conversa sobre homoafetividade e não achei que era o momento de entrar em poliafetividade. Se esse último já é complicado demais para a cabeça dos adultos, imagine para uma criança?!

Pensei que a melhor forma de esclarecer o assunto nesse primeiro momento seria mencionar a cultura dos mórmons, porque um dia ela me viu assistindo uma série sobre os mórmons e suas várias esposas, e eu expliquei que naquela comunidade o casamento com várias parceiras era permitido (e mais pra frente eu poderia esclarecer melhor pra ela sobre poliafetividade*).

Então respondi:

- Ahhh entendi! Bom, sim, isso pode acontecer, como por exemplo nas comunidades dos Mórmons, onde os homens podem ter várias esposas.

Ela já estava distraída tentando achar a peça de dominó e eu disse:

- Entendeu Leela? Os mórmons são uma comunidade.

- Ahhh entendi.

- Então Leela, como se chama o homem que ama outro homem?

- Mórmon!

Eu ri e falei:

- Não Leela. Ele seria gay ou homossexual. E como chama a mulher que ama outra mulher?

- Mórmon!

Eu comecei a dar risada e disse:

- Não Leela, aí seria lésbica. E como chamam os casais que tem 2 homens ou 2 mulheres?

- Mórmons!

Pronto. Pra ela virou uma brincadeira engraçada e caímos na gargalhada!

Então expliquei tudo novamente e ela me olhando com aquele carinha engraçadinha…

Daí no fim falei:

- Então Leela, nós podemos escolher estar com um homem ou com uma mulher, depende de quem a gente gostar mais. E você, com quem você acha que vai escolher estar?

E ela respondeu:

- Hum… sei lá, pode ser homem, pode ser mulher… ou pode ser Mórmon!

E caímos na risada de novo!!!

The end ❤

* Posteriormente pretendo conversar com ela sobre gênero e todas as outras orientações e identidades… porém no tempo dela, um passo de cada vez! ;-)

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Ade Monteiro

Psicóloga, Doula e Terapeuta de Casais. Mestre em Estudos sobre a Igualdade. Mãe e feminista.