Sobre Fusão de Identidades

Sua identidade é pessoal e intransferível

Ade Monteiro
2 min readAug 27, 2019

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Eu tenho contato/amizade com praticamente todas as pessoas importantes da minha vida. Sejam exs ou não. A Kale do blog Relationship Anarchy chama as pessoas com quem ela se relaciona de pessoas importantes, sejam amigues ou parceires afetives. Isso porque a anarquia relacional não acredita em hierarquias (nem no governo, nem nos relacionamentos) e ela explica que todas as pessoas que considera importantes em sua vida devem ser tratadas de forma igualitária. Às vezes temos a necessidade de passar um dia com aquela melhor amiga ou com a irmã: pra conversar, dar risada e desabafar, se sentir confortada etc. Mas muitas vezes não conseguimos porque damos exclusividade ao nosso relacionamento afetivo.

As ideias da AR podem lhe parecer bem progressistas, para alguns até chocantes, mas acredito que nos traz importantes reflexões.

Por exemplo, a questão da fusão de identidades — que no nosso modelo cultural se encaixa bem no ideal do amor romântico, ou seja, o ideal de encontrar “minha cara metade” e assim “nos tornarmos um só”.

Vamos repensar então essa fusão. Porque independente da paixão, amor e amizade que um casal possa sentir, vocês são pessoas diferentes, individuais, que dificilmente terão os mesmos desejos e necessidades por uma vida toda. Eu vejo muitas pessoas que mudam completamente seus interesses quando se unem a um parceiro afetivo. Muitos ganham peso, ou se tornam “fitness”, ou fazem tattoos, ou começam a curtir culinária, etc. E muitas vezes percebo que em sua maioria são as mulheres que se “flexibilizam” para acompanhar a rotina ou os interesses do parceiro. Isso em um relacionamento heteroafetivo, talvez seja diferente em relacionamentos homoafetivos.

Mas enfim, não sou contra as pessoas adaptarem suas rotinas, ou compartilhar seus interesses, isso é ótimo.

Porém temos que estar atentas, principalmente as mulheres, para nessa possível fusão com um parceiro amoroso, não “perdemos” nossa identidade.

A Esther Perel fala, em uma de suas incríveis palestras sobre Infidelidade, que muitas vezes as pessoas traem porque estão em busca de si mesmas. De outras partes de si que desejam descobrir. As pessoas (amigos ou amores) fazem isso com a gente, elas nos despertam diferentes facetas de nós mesmos.

TEDx Repensando a infidelidade por Esther Perel

Então o problema principal na “fusão de identidades”, está no ato de negligenciar sua própria identidade, e num possível rompimento, você se vê só e completamente perdida, sem chão. Porque você já não sabe quem é, todos seus planos e sonhos tinham se fundido com os da pessoa, e agora sem ela você ficou sem planos, sem sonhos e sem sua identidade. Então você sai novamente à procura de uma outra pessoa para “completar sua metade”, e te ajudar a construir sua identidade novamente. Essa busca não terá fim, porque o que você busca está em si mesma.

Sua identidade é pessoal e intransferível.

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Ade Monteiro

Psicóloga, Doula e Terapeuta de Casais. Mestre em Estudos sobre a Igualdade. Mãe e feminista.