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Estamos trocando Segurança e Longevidade por Autenticidade?

Sobre investimento e maturidade nas relações

Ade Monteiro
6 min readAug 21, 2020

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Essa foi a pergunta que uma pessoa — que aqui vou chamar de “John” — relatou num grupo de discussão sobre não monogamia. Ele explicava que tinha uma relação maravilhosa de 10 anos com a esposa, que haviam se aberto para a não monogamia havia 4 anos, que ela tinha um namorado no momento, que ele havia passado vários momentos desafiadores mas agora conseguia aceitar e se sentir feliz por ela ter essa relação. Porém esse namorado não se considerava não monogâmico e não estava mais disposto a se envolver dessa forma, e a esposa então estava cogitando deixá-lo (o marido) para ficar com o cara.

Muitos que leem isso já sentem aquele frio na barriga do medo de “ser deixade” não é mesmo? A gente se questiona: “nossa que barra, não sei se é isso que eu quero…”. Encontrar alguém que a gente ama, que temos desejo e compatibilidade não é nada fácil, e quando encontramos, isso é valioso pra nós. Não podemos arriscar perder facilmente…

O medo da perda sempre foi uma preocupação para aqueles que desejam viver relacionamentos não monogâmicos. Desde que comecei a participar de grupos de discussão sobre Poliamor e NM em 2009 essas eram as perguntas que mais apareciam nas rodas: se nos abrimos para conhecer e nos conectar com mais pessoas isso não coloca em risco nosso relacionamento? Estar livre para amar outres não aumenta as chances de deixar/ser deixade por quem já amamos?

A resposta é sim. Mas com ela sempre vem uma outra pergunta: “E qual garantia você tem em um relacionamento monogâmico?”. Em qualquer relacionamento, livre ou não, você corre o risco de perder a pessoa amada, porque ela não vive numa gaiola, porque nossos olhos não tem cercas, porque encontros e reencontros acontecem, e conexões também acontecerão, quer você "permita" ou não.

Em relacionamentos não monogâmicos, porém, a pessoa amada não precisa ir embora ou lhe deixar porque se apaixonou por outra pessoa, pois é possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo. A não monogamia nos permite ser autênticos, porque tira a parte “proibida” do desejo. Você não precisa esconder, reprimir ou fantasiar esses desejos. Você pode viver outras conexões e ver onde elas te levam… e não será preciso deixar alguém para vivenciá-las. Essa abertura, para atuar nos nossos desejos sem o peso da culpa, nos traz leveza e tranquilidade. Há um objetivo maior do que manter no ‘cativeiro’ o amor que você tanto preza: ‘acolher’ e aprender com cada conexão que criamos.

John diz que se sente muito identificado com a não monogamia, que valoriza a liberdade para amar e se relacionar com quem ele desejar, ou seja, de ser AUTÊNTICO, de não precisar se anular, fingir ou esconder seus desejos. Porém após esse incidente com a esposa ele passou a questionar se está no caminho certo. Ele pondera que num relacionamento monogâmico as pessoas têm um forte ‘incentivo’ (ou pressão social) para permanecer juntas a longo prazo, e mesmo que estejam atraídas ou interessadas ​​por outros, elas se esforçam pra se manter fiéis ao contrato de exclusividade, e se abstém de construir conexões mais profundas com outras pessoas que possam desestabilizar o relacionamento.

Então ele questiona se vale mesmo a pena trocar toda a segurança do relacionamento que tinha por essa autenticidade que decorre da liberdade, porque, assim como se passa na cabeça de muitas pessoas que questionam a viabilidade da não monogamia, ele deve acreditar que as pessoas em relacionamentos não monogâmicos podem abusar dessa liberdade, e passar a ter relacionamentos líquidos que se fazem e se desfazem rapidamente, sem valorizar e/ou investir no relacionamento que já existe, e em tudo que foi construído em conjunto.

Presume-se então, que na monogamia há um foco em uma única pessoa, e assim supostamente as pessoas INVESTEM na relação, elas alimentam e nutrem esse relacionamento. Porque estão focadas nele.

Bom primeiramente isso é um mito. Nada garante que as pessoas em relacionamentos monogâmicos irão investir na relação. Pelo contrário, muitos conflitos relacionais surgem porque as pessoas param de investir e dedicar algum tipo de cuidado aus parceires e passam a demandar atitudes e comportamentos socialmente esperados.

Na monogamia as pessoas que não estão felizes simplesmente se acomodam porque fizeram um contrato, e em casamentos religiosos esse contrato é “até que a morte os separe”. Essa é uma imensa sobrecarga que garantiu a infelicidade de muitas gerações passadas. Os “contratantes” não sabem, ou não vêem nenhuma outra opção a não ser se relegar ao que quer que venha incluído no pacote — e que provavelmente não foi delimitado ao fazer o contrato.

O divórcio é uma opção conhecida mas para um grande número de pessoas não é viável (por exemplo para mulheres dependentes emocionalmente e/ou financeiramente). A 'opção' de serem livres/ não monogâmicos não é nem conhecida e nem seria viável dentro de uma mentalidade patriarcal e machista. Então relacionamentos monogâmicos podem ser mais longevos ou aparentemente ‘seguros’. Entretanto isso não significa automaticamente que us envolvides estão felizes ou saudáveis.

A dedicação, o investimento, é essencial em qualquer relação. E não vem garantido em nenhuma (nem está incluído no contrato de casamento). Ele é “work in progress” — um trabalho constante — se seu objetivo é ter segurança e longevidade em suas relações. Não é preciso um contrato para que as pessoas compreendam que precisam nutrir e cuidar de seus relacionamentos.

Se a não monogamia não é sobre quantidade, você não precisa ter vários afetos ao mesmo tempo, mas é necessário que você se responsabilize pelo ou pelos afetos que tem. Essa responsabilidade é o cuidado e o investimento que você dedica à relação. Não é somente sobre ser honeste. Não se nutre uma relação apenas com honestidade, é preciso muito mais que isso.

O fato de certos relacionamentos não monogâmicos não terem a aparente segurança e longevidade que se espera também pode se relacionar com maturidade. A pessoa pode ainda não ter maturidade pra investir e ficar no relacionamento ou ela amadureceu o suficiente pra compreender que não vale a pena ficar na relação. As pessoas amadurecem com as vivências e dificuldades que enfrentam, umas mais cedo outras mais tarde. Essa maturidade está relacionada com o seu processo de autoconhecimento.

Inicialmente o relato de John nos dá a impressão de que a esposa tenha se “empolgado” demais e se deixou levar pelas exigências do namorado monogâmico, e por isso talvez não tenha tido maturidade pra compreender a importância de investir no relacionamento que existia entre eles, e para valorizar tudo o que esse relacionamento oferecia.

Muitas pessoas “não mono” acabam se envolvendo num movimento de “monogamia serial” sempre em busca de uma louca paixão, a relação dura tão somente enquanto dura a ENR (energia do novo relacionamento, também conhecida como a fase da paixão) e os hormônios que mantém aquela chama ardendo. Embora apreciem a não monogamia (e até se intitulem não mono), não conseguem estar com 2 pessoas ao mesmo tempo, porque não estão prontas ou dispostas a se responsabilizar afetivamente, ou a investir em mais de um relacionamento. Elas desejam explorar o que sentem que precisa ser explorado, e não há muita preocupação com que o que pode ser perdido. Esse é um momento a ser vivido em seu processo de autoconhecimento.

Mais à frente em seu relato John coloca que a possível decisão de sua esposa de deixá-lo tinha mais a ver com projetos de vida do que com a não monogamia. Me parece então que ela sentiu que seus planos e sonhos estavam mais alinhados com os do namorado e pode ser que nessa nova relação ela reconheceu incompatibilidades em sua relação com John que não tinha enxergado antes. Então nesse caso, a esposa de John teve maturidade para compreender e decidir que seu relacionamento com John não tinha mais sentido.

Não há uma troca a ser feita, de segurança e longevidade por autenticidade. Se esse for seu desejo, você deve buscar e garantir que tenha ambos. As relações não monogâmicas não deveriam excluir o compromisso e a estabilidade. Ter a oportunidade de explorar novas conexões sem o ‘desespero’ de ter que fazer uma escolha e deixar quem você ama, não seria também uma forma de estabilidade?

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Ade Monteiro

Psicóloga, Doula e Terapeuta de Casais. Mestre em Estudos sobre a Igualdade. Mãe e feminista.